Seção 5 DIREITO PENAL 2023-02
Sua causa!
Conforme narrado, o membro do Ministério Público processou o acusado pelo crime de estupro do vulnerável, na forma seguinte:
“Trata-se de denúncia criminal ofertada em razão de o acusado ter praticado o tipo penal previsto no artigo 217-A, Código Penal, uma vez que realizou atos libidinosos e conjunção carnal com a vítima Luluzinha de apenas 13 anos de idade, sendo que a existência de consentimento não afasta o tipo penal em epígrafe, na forma do artigo 217-A, parágrafo 5º, CP. A materialidade está estampada pelo depoimento pessoal da vítima de que realizou os citados atos sexuais, sendo dispensável o exame de corpo de delito. Por fim, de acordo com o inquérito policial, foram realizados três atos libidinosos, consistentes em sexo oral, sexo anal e apalpadelas nos seios, além da própria conjunção carnal, havendo, assim, a ocorrência de 4 crimes de estupro de vulnerável em concurso material, na forma do artigo 69, CP, pelo que pede o Ministério Público a sua condenação”.
Assim, o réu fora denunciado na forma transcrita acima, tendo a defesa requerido a rejeição da peça acusatória, uma vez que não fora atestada a materialidade do crime narrado por ausência de laudo pericial. Além disso, foi requerido pelo regular enquadramento dos fatos num único crime de estupro de vulnerável, forte na ideia de ser um tipo misto alternativo.
Todavia, o magistrado decidiu pelo prosseguimento do feito, concordando integralmente com a peça acusatória do Ministério Público, destacando que os fatos seriam melhor apurados por ocasião da instrução processual em audiência específica.
Na audiência de instrução e julgamento, nessa ordem, interrogou-se o acusado, não foi ouvido perito e nem juntado exame de corpo de delito. Ouviram-se as testemunhas de acusação e as de defesa.
As testemunhas, de modo geral, disseram que não viram nenhum ato sexual, mas ouviram dizer que o acusado e a vítima mantinham relações sexuais há bastante tempo. A vítima, ouvida ao final, disse que praticou os atos sexuais narrados na denúncia, mas fez de forma livre e espontânea, tendo acrescentado que sempre mentira sobre a sua idade real de 13 anos e dizia para o seu namorado, ora acusado, que tinha 17 anos de idade.
Ao final da audiência, foi aberta vista para a acusação e defesa apresentarem as suas considerações finais, no prazo de cinco dias. O Ministério Público ofertou suas considerações, requerendo a condenação na forma proposta pela denúncia criminal. A defesa, por sua vez, requereu a nulidade absoluta do feito, em razão da inversão do rito processual, com prejuízo presumido para o acusado, anulando-se o feito desde a audiência de instrução e julgamento, bem como pela ausência de laudo pericial nos casos em que ele é necessário, na forma do artigo 564, III, b, CPP. Não reconhecendo a nulidade absoluta, requereu a absolvição do acusado, com base na teoria do erro de tipo invencível, bem como pela ausência de provas testemunhais e pericial hábeis a formar autoria e materialidade do feito, aplicando-se o artigo 386, VI e VII, CPP;
Todavia, por ocasião da sentença, o magistrado condenou o acusado nos exatos termos da denúncia ministerial, entendendo o seguinte: 1) A inversão do rito processual é mera irregularidade, não sendo cabível a anulação do feito, não havendo prejuízo para o acusado; 2) A ausência de laudo pericial não impede a condenação, uma vez que o juiz não está adstrito à prova pericial, podendo fundamentar a sua decisão com base exclusivamente na palavra da vítima; 3) Os depoimentos por “ouvir dizer” são plenamente válidos e merecem guarida, podendo eles serem considerados testemunhos dignos de condenação; 4) Quanto ao erro de tipo invencível, entende-se que o autor tem a obrigação de saber a idade da vítima e foi imprudente ao praticar o aludido ato sexual; 5) Assim, condeno o acusado a uma pena de oito anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicialmente fechado; 6) Recolha-se o acusado para o cumprimento da pena, tão somente pelo efeito automático da condenação. Publique-se e intime-se.
Você, advogado (a), deverá apresentar a peça cabível nesse momento processual, no prazo legal, tendo a intimação sido feita em 1/6/23. Considere o último dia do prazo para a interposição da peça.
Recursos processuais penais
Perlustrando a Constituição Federal, destaca-se o princípio do duplo grau de jurisdição, que deve ser observado, nestes termos:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
O artigo epigrafado confere ao acusado o direito de ter a sua causa revista pela instância superior, de forma a conferir ao julgado uma nova visão acerca dos fatos, o que é feito pelos desembargadores do Tribunal de Justiça quando se trata de competência estadual. Se fosse infração penal de competência federal, seria a causa revista pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal.
Dentro da especificidade recursal, a apelação é um instrumento hábil a levar toda a matéria questionada para o Tribunal de Justiça, nas questões estaduais, ou para o Tribunal Regional Federal, nas demandas federais, destacando-se que ela pode ser usada pela parte que se sentir injustiçada com a sentença judicial prolatada.
De forma a fundamentar a questão, menciona-se o artigo 593, CPP, podendo ser interposta quando a sentença absolver ou condenar o acusado, no prazo legal de cinco dias, verbis:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;
II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
No âmbito doutrinário, o professor Renato Brasileiro tem conceituação clara acerca da apelação, in verbis: “Funciona como eficaz instrumento processual para a concretização do princípio do duplo grau de jurisdição, visto que, em face do extenso âmbito cognitivo do julgado recorrido, permite que o juízo ad quem reaprecie questões de fato e de direito” (BRASILEIRO, 2020, p. 1816).
Quanto aos efeitos da apelação, ela pode ser plena ou parcial, caso seja devolvido ao Tribunal toda a matéria julgada ou apenas parte dela, na forma do artigo 599 do CPP, nestes termos:
Art. 599. As apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado, quer em relação a parte dele.
Nesse diapasão, se a parte optar por impugnar parte do julgado, o efeito devolutivo será consistente em enviar ao juízo superior exatamente o que for fundamentado nessa peça recursal. Diante disso, é importante que fique claro no recurso de apelação o que será questionado para fins de mudança da sentença do juiz de 1º grau.
Outro efeito relevante, em casos de sentença condenatória, é o suspensivo em que se impõe que o recurso em testilha suspende o julgamento do fato contestado, na forma do artigo 597, CPP, nestes termos:
Art. 597. A apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o disposto no art. 393, a aplicação provisória de interdições de direitos e de medidas de segurança (arts. 374 e 378), e o caso de suspensão condicional de pena.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o efeito suspensivo da apelação deve ser conferido nos casos de condenação, não podendo haver a execução provisória da pena nela prevista, in verbis:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. JULGAMENTO. NULIDADE. INDEFERIMENTO. ADIAMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. SÚMULA N. 283 DO STF. INÉPCIA. DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA. SENTENÇA. QUESTÃO PREJUDICADA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. PRELIMINARES SUSCITADAS. ABERTURA. VISTA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA. VESTÍGIOS QUE TERIAM DESAPARECIDO. NULIDADE INEXISTENTE. GRAVAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283 DO STF. ADVOGADA ARROLADA COMO TESTEMUNHA PELA ACUSAÇÃO. FALTA DE INTERESSE.
LICITUDE. PROVAS. CONDENAÇÃO. SUFICIÊNCIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE FATOS QUE NÃO TERIAM SIDO PROVADOS. ATENUANTE INOMINADA. APLICAÇÃO. AFERIÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. NEGATIVAÇÃO.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATENUANTE. NEGATIVA FUNDAMENTADA. EFEITO SUSPENSIVO AO APELO NOBRE. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. PLEITO PREJUDICADO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. DETERMINAÇÃO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.
1. Ausente a impugnação dos fundamentos do acórdão recorrido, no que diz respeito à alegação de nulidade do julgamento da apelação, pelo indeferimento do pedido de adiamento, tem aplicação a Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a superveniência da sentença torna superada a tese de inépcia da denúncia.
3. Inexiste nulidade pela abertura de vista ao Ministério Público para se manifestar sobre a resposta à acusação, quando nela a Defesa suscitou questões preliminares.
4. Se, quando se teve conhecimento da ocorrência dos supostos eventos delituosos, os eventuais vestígios já teriam desaparecido, em razão do tempo transcorrido, inexiste nulidade, por ofensa ao art. 158 do Código de Processo Penal, pela falta de
realização de exame pericial, o qual, nessa hipótese, pode ser suprido por outros meios de prova.
5. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento deste Tribunal Superior, no sentido de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é lícita, salvo caso legal de sigilo ou reserva de conversação.
6. As razões do recurso especial não impugnaram, especificamente, a afirmação do acórdão recorrido de que a eventual quebra de sigilo profissional deveria ser apurada como infração disciplinar, no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil. Incidência da Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal.
7. Não há interesse a amparar a tese de que haveria nulidade porque a advogada J. F. A., como representante legal das Vítimas, não poderia ser arrolada como testemunha de acusação, pois o testemunho da referida causídica não foi utilizado como suporte para a condenação do Recorrente, em relação à Vítima A. M. DA S.
8. As instâncias ordinárias, a partir de fundamentada análise das provas colhidas durante na fase investigatória e também na instrução criminal, inclusive o depoimento da Vítima durante a investigação policial, concluíram estar provada a prática delitiva, tendo apresentado justificativa concreta para desconsiderar a retratação feita por esta em Juízo e condenar o Recorrente. Para rever a conclusão, seria necessária aprofundada incursão ao campo fático-probatório, providência vedada em recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
9. Também incidem no referido enunciado Sumular a análise das alegações de que a exasperação da pena-base estaria fundamentada em fatos não provados na instrução criminal, bem assim de que o Recorrente faria jus à atenuante inominada do art. 66 do Código Penal.
10. A negativação das circunstâncias e das consequências do crime está lastreada em elementos concretos que não são inerentes ao tipo penal e que demonstram um maior grau de reprovabilidade da conduta.
11. O fato de que o Recorrente usava a vulnerabilidade social da Vítima para atraí-la ao projeto social por ele dirigido e, depois, com ela praticar os atos libidinosos, demonstra um maior grau de reprovação. A vulnerabilidade socioeconômica não se confunde com a vulnerabilidade etária inserida como elementar do tipo do art. 217-A do Código Penal e, por essa razão, pode ser utilizada para exasperar a pena-base.
12. O extremo nervosismo e temor da Vítima, constatado in loco pelo Juiz de primeiro grau, quando de sua oitiva, na audiência de instrução e julgamento, a qual foi realizada, inclusive, sem a presença do Recorrente, diante do temor existente, é suficiente para evidenciar as sequelas psicológicas por ela sofridas, e autoriza a negativação das consequências do crime.
13. Se o trabalho social desenvolvido pelo Recorrente era o meio por ele utilizado para a prática delitiva, sendo esse fato inclusive utilizado para exasperar a pena-base, é manifestamente descabido e seria, inclusive, contraditório, utilizar esse mesmo fato para justificar a incidência da atenuante inominada do art. 66 do Código Penal.
14. Apreciado o mérito do recurso especial, fica prejudicado o pedido de que, em tutela de urgência, lhe seja concedido efeito suspensivo.
15. Em conformidade com a conclusão de mérito do Supremo Tribunal Federal nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, de relatoria do Exmo. Ministro MARCO AURÉLIO, não é mais cabível a execução provisória das penas após o esgotamento das instâncias ordinárias.
16. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Habeas corpus concedido, de ofício, para obstar a execução da pena imposta ao Recorrente, antes do trânsito em julgado da condenação (REsp 1881928 / SC, STJ).
Logo, a apelação é instrumento hábil a impedir que se execute a sentença condenatória prolatada, devendo a matéria impugnada ser analisada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, antes de ela ser integralmente executada, não sendo cabível a execução provisória da pena.
Prazos processuais penais
No quesito contagem do prazo recursal, nada há de diferente, devendo ser excluído o dia do início e incluído o dia final, destacando a existência dos dias não úteis para fins de contagem, na linha do que dispõe o artigo 798, CPP, in verbis:
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
§ 1º Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
§ 2º A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém, considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do dia em que começou a correr.
§ 3º O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato.
Assim, deve-se atentar para o dia do início do prazo processual, que é sempre no dia seguinte à intimação, sendo que, se o início ocorrer em dia não útil, prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte.
Ausência de obediência ao rito prescrito em lei –Nulidade
Conforme se destaca da Constituição Federal, a inobservância ao princípio do devido processo legal gera nulidade absoluta, uma vez que se fere de morte garantia constitucional, a seguir descrita:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
O interrogatório do acusado deve ser feito na forma prescrita em lei, sob pena de violação ao princípio constitucional do devido processo legal, devendo ser observada a perfeita dicção do artigo 400, caput, CPP:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Fica claro que o interrogatório é o último ato praticado na instrução, o que satisfaz, ainda, os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, não podendo haver a inversão de tal forma procedimental, sob pena de nulidade absoluta. Não foi com outra visão que o Superior Tribunal de Justiça cunhou o acórdão a seguir, nos seguintes termos:
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA INVERSÃO DO MOMENTO DE REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO. ART. 400 DO CPP. INSTRUÇÃO JÁ FINALIZADA NA DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO LAVRADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA. SEGURANÇA JURÍDICA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM, firmou o entendimento de que o rito descrito no art. 400 do CPP devia ser aplicado inclusive aos procedimentos previstos na legislação penal militar, eleitoral e nas leis extravagantes, como a Lei n. 11.343/2006.
2. No entanto, no mencionado julgado, ficou ressalvado que o entendimento acerca da nulidade da inversão das oitivas não se aplicaria aos processos já sentenciados em 3/8/2016 (data do julgamento do HC n. 127.900/AM), em obediência ao princípio da segurança jurídica.
3. A Terceira Seção desta Corte Superior, acompanhando a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que o interrogatório do acusado é instrumento de defesa, o que, em uma perspectiva garantista, pautada na observância dos direitos fundamentais, proporciona máxima efetividade se realizado ao final da instrução. De fato, a concretização do interrogatório antes da oitiva de testemunhas e da vítima priva o acusado de acesso pleno à informação, já que se manifestará antes da produção de parcela importante de provas. Além disso, reflete diretamente na eficácia de sua reação e na possibilidade de influenciar o julgamento, não lhe permitindo refutar, ao menos diretamente (autodefesa), questões apresentadas com a oitiva de testemunhas e do ofendido. A inversão do interrogatório, portanto, promove nítido enfraquecimento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, indevido, a meu ver, no âmbito da persecução penal (HC 585.942/MT, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 9/12/2020, DJe 14/12/2020).
4. No presente caso, consta que a sentença condenatória foi prolatada em 20/7/2013, data, portanto, anterior à estabelecida no mencionado HC n. 127.900/AM, devendo-se reconhecer a higidez do procedimento adotado pelas instâncias ordinárias, em razão da observância do princípio da segurança jurídica.
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 733051 / MG, STJ).
Nessa temática da nulidade, ainda se destaca o artigo 564, IV, CPP, que deixa clara a questão ao prescrever que:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.
Diante disso, a nulidade é medida que se impõe quando há inobservância de algum rito processual, no que diz respeito à inversão do interrogatório feito ao início do processo.
Outro ponto que gera nulidade processual é a ausência de exame de corpo nos crimes que deixam vestígios, como ocorre nos delitos contra a dignidade sexual, na forma do artigo 158, CPP, nestes termos:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:
I - violência doméstica e familiar contra mulher;
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
O que se percebe com a imposição legal é que o exame de corpo de delito é imprescindível nos crimes não transeuntes ou que deixam vestígios, devendo ser feita a perícia para constatar a espécie de ato sexual praticado contra a vítima, sob pena de nulidade processual, na forma do disposto no artigo 564, III, b, CPP:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;
Trata-se de uma claridade solar a necessidade de exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, conforme legislação infraconstitucional mencionada, não sendo a palavra da vítima suficiente para, exclusivamente, permitir a condenação pelos delitos contra a dignidade sexual, nestes termos:
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO BASEADA NA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ALTERAÇÃO DAS CONCLUSÕES DA CORTE DE ORIGEM. SÚMULA N. 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA. SÚMULA N. 83 do STJ. INCIDÊNCIA.
I - O acórdão recorrido concluiu que os elementos probatórios colhidos nos autos, judiciais e extrajudiciais, são suficientes para a condenação do réu. Dessa forma, somente seria possível alterar o entendimento adotado no acórdão em questão mediante profunda imersão no arcabouço fático-probatório delineado, providência vedada pela Súmula n. 7 do STJ II - Em delitos sexuais, a palavra da vítima possui especial relevância quando em consonância com as demais provas colacionadas ao feito está em conformidade com a orientação jurisprudencial do STJ.
Agravo regimental desprovido (AgRg no AREsp 1695504 / DF, STJ).
Pelo que consta do presente acórdão, a palavra da vítima deve estar em consonância com as demais provas produzidas nos autos, não podendo ser utilizada de forma exclusiva para a condenação pelos delitos sexuais.
Testemunhos indiretos ou por “ouvir dizer”
Temática bem relevante no quesito probatório é a produção de prova testemunhal, sendo a sua fundamentação prevista no artigo 202, CPP, nestes termos:
Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.
Apesar da prescrição legal de que toda pessoa poderá ser testemunha, deve ser diferenciado o testemunho direto do indireto, sendo aquele quando a pessoa presencia o fato típico, enquanto o último quando a testemunha fica sabendo do fato por parte de terceiros. O testemunho por “ouvir dizer” corresponde ao testemunho indireto, sendo a sua força probatória inexistente, diante do não conhecimento do fato de forma direta.
Essa é a visão jurisprudencial acerca da matéria, nestes termos:
EMENTA
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. NULIDADE. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS, CONTRADITÓRIOS E ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL. OFENSA AO ART. 155 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PACIENTE DESPRONUNCIADO.
1. A sentença de pronúncia configura um juízo de admissibilidade da acusação, não demandando a certeza necessária à sentença condenatória. Faz-se necessária, todavia, a existência de provas suficientes para eventual condenação ou absolvição, conforme a avaliação do conjunto probatório pelos jurados do Conselho de Sentença, isto é, a primeira fase processual do Júri, o jus accusationis, constitui filtro processual com a função de evitar julgamento pelo plenário sem a existência de prova de materialidade e indícios de autoria.
2. É ilegal a sentença de pronúncia baseada, unicamente, em testemunhos colhidos no inquérito policial, de acordo com o art. 155 do Código de Processo Penal, e indiretos - de ouvir dizer (hearsay) -, por não se constituírem em fundamentos idôneos para a submissão da acusação ao Plenário do Tribunal do Júri.
3. No caso em apreço, os únicos elementos indiciários do paciente são os depoimentos extrajudiciais das vítimas, pois, por ocasião da fase judicial, uma das vítimas havia falecido (Emerson) e a outra não foi localizada (Anderson). As demais
testemunhas não souberam afirmar a existência de desentendimentos anteriores entre as vítimas e o réu, tendo conhecimento apenas de boatos no sentido de que o crime havia sido cometido em razão de incorreta divisão de drogas, pois os envolvidos seriam usuários de entorpecentes.
4. O fato de o testemunho da vítima falecida não poder ser repetido em Juízo não altera a conclusão de que depoimentos colhidos apenas na fase extrajudicial não autorizam a pronúncia.
5. As versões contraditórias de testemunhos prestados na fase inquisitorial e na judicial também não constituem fundamentos idôneos para embasarem a pronúncia.
6. Ordem de habeas corpus concedida para despronunciar o paciente, sem prejuízo de formulação de nova denúncia, nos termos do art. 414, parágrafo único, do Código de Processo Penal (HC 706735 / RS, STJ).
Destaca-se que testemunhos indiretos que não presenciaram o fato narrado na denúncia criminal são temerários e podem levar o julgador a erro, sendo razoável que se subtraia o seu valor probatório, de forma a permitir a aplicação plena do princípio do contraditório e da ampla defesa, pois esse tipo de testemunha por “ouvir dizer” torna impossível a produção de prova contrária.
Do erro de tipo
O instituto do erro de tipo ocorre quando há uma interpretação errônea da realidade, incidindo sobre as elementares previstas no crime em epígrafe. A depender da espécie de erro, pode haver a exclusão total da figura típica ou a punição apenas pelo crime culposo. Em outras palavras, se o erro for invencível, exclui o dolo e a culpa, excluindo-se a tipicidade do crime; se o erro for vencível, pune-se pelo crime culposo se houver previsão legal da figura culposa. Essa é a disposição legal prevista no artigo 20, CP, nestes termos:
Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Essa ocorrência legal pode ser conferida na jurisprudência pátria, que aceita a tese do erro de tipo quanto ao desconhecimento da idade da vítima, devendo ser excluída a figura típica, nestes moldes:
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO AMPARADA EM ELEMENTOS FRÁGEIS E INSUFICIENTES. REVISÃO.
POSSIBILIDADE. NON LIQUET. APLICAÇÃO DA REGRA DO IN DUBIO PRO REO.
1. Embora o habeas corpus seja uma via que não admite dilação probatória, é possível aferir a legitimidade da condenação imposta a partir do exame da fundamentação contida no ato decisório.
2. Para a imposição de uma condenação criminal, faz-se necessário que seja prolatada uma sentença, após regular instrução probatória, na qual haja a indicação expressa de provas suficientes acerca da comprovação da autoria e da materialidade do delito, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal.
3. Insta salientar, ainda, que a avaliação do acervo probatório deve ser balizada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a sua absolvição, tendo em vista que sobre a acusação recai o inafastável ônus de provar o que foi veiculado na denúncia.
4. No caso, consta nos atos decisórios que impuseram a condenação ao paciente um cenário de dúvida, pois não foi comprovado que ele tenha agido ciente da idade da vítima, a qual teria beijado em duas oportunidades. A tese de erro quanto a esta elementar deveria ter sido acolhida, conforme destacado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em seu parecer em segunda instância.
5. Habeas Corpus concedido (HC 721869 / SP, STJ).
Percebe-se que havia uma dúvida quanto à idade da vítima ser maior ou menor de 14 anos, o que restou afastada a figura típica do crime previsto no artigo 217-A, CP.
Execução provisória da pena e impossibilidade
Trata-se de temática exaustivamente debatida no meio jurídico quanto à possibilidade ou não de execução provisória da pena, devendo ser analisado o princípio constitucional da presunção de inocência para início de discussão da temática, conforme consta do mandamento previsto no artigo 5º, CF, nestes termos:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Ora, se a Constituição Federal preleciona que ninguém poderá ser culpado até o trânsito em julgado, a execução provisória da pena de alguém que ainda é considerado inocente é algo impensável, devendo o acusado responder ao processo em liberdade até que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Nessa mesma linha de raciocínio, tem-se a redação cristalina do artigo 283, CPP, nos seguintes termos:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
A prisão de alguém no Brasil somente pode ser feita em três hipóteses, quais sejam, prisão em flagrante, ordem escrita e fundamentada em razão de prisão provisória (prisão preventiva ou prisão temporária) e nos casos de sentença criminal condenatória transitada em julgado. Inexiste prisão por
efeito automático da condenação criminal passível de recurso ou a chamada execução provisória da pena.
Em que pese tenha havido o questionamento acerca da constitucionalidade do artigo 283, CPP, o Supremo Tribunal Federal analisou a questão e decidiu que não há mácula alguma de inconstitucionalidade no referido dispositivo infraconstitucional, devendo ele ser aplicado de forma integral, nestes termos:
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO APTO A ENSEJAR QUALQUER DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRETENSÃO DE REDISCUTIR MATÉRIA JÁ DECIDIDA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS PREJUDICADOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXAME DAS AÇÕES DIRETAS DE CONSTITUCIONALIDADE 43, 44 E 54.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição ou omissão. Inexistentes quaisquer desses vícios, não se pode falar em cabimento do recurso de embargos de declaração.
2. In casu, verifica-se que a pretensão do embargante é o rejulgamento da impetração, inviável na via estreita dos embargos declaratórios.
3. A pretensão de rediscutir toda matéria de fundo constante da impetração é inviável na via estreita dos embargos declaratórios, máxime quando inexiste nulidade processual a ser sanada.
4. A execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória é incompatível com o artigo 283 do Código de Processo Penal, resguardada a competência de as instâncias ordinárias reconhecerem a necessidade de constrição cautelar da liberdade do condenado e determinar a prisão provisória, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Precedente: ADC 43, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/11/2019.
5. Reconsidero a decisão embargada, em conformidade com o entendimento firmado por este Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das Ações Diretas de Constitucionalidade 43, 44 e 54, com determinação de revogação da prisão decretada para fins de execução provisória da pena, salvo se existente outro fundamento para a segregação do paciente ou se presentes fundamentos concretos de prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do CPP.
6. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS, bem como o agravo regimental interposto e a petição STF 72.175/2019 (HC 174335 AgR-ED, STF).
Diante do exposto, é incabível a execução provisória da pena de sentença condenatória que ainda é passível de recurso.
Para elaborarmos uma peça prático-profissional precisamos responder às seguintes indagações:
1 – Após a sentença, qual peça é cabível para manifestar a vontade do acusado? Apelação com o fim de mudar o pensamento aplicado na sentença.
2 – Há mais de uma tese defensiva? Se sim, o estudante deve ficar atento para pedir cada uma delas.
3 – A contagem do prazo processual foi correta? Atentar-se para o que dispõe o Código de Processo Penal nesse quesito.
Respondidas essas perguntas, poderemos começar a desenvolver a nossa peça.
1 – Sempre é importante fundamentar, inicialmente, com algum artigo da Constituição Federal, notadamente o artigo 5º.
2 – Após a utilização de um artigo da Constituição Federal, é interessante que se utilize um ou mais artigos da legislação infraconstitucional e evidentemente se explique o motivo da citação legal.
3 – Precisamos utilizar também a doutrina, se possível mais de um doutrinador com o mesmo entendimento. A utilização de uma doutrina atual enriquece qualquer peça.
A sentença condenatória desafia o recurso de apelação e deve ser
A sentença condenatória desafia o recurso de apelação e deve ser lembrada que a irresignação do acusado é feita por essa importante lembrada que a irresignação do acusado é feita por essa importante peça processual, no prazo de peça processual, no prazo de cincocinco dias, e que possui os efeitos dias, e que possui os efeitos devolutivo e suspensivo. devolutivo e suspensivo.
PONTO DE ATENÇÃO
Vamos peticionar!
Vamos peticionar!
4 – Não podemos deixar de utilizar uma jurisprudência atual acerca do assunto debatido. Deve-se preferir jurisprudência de tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Atenção: Jurisprudência são decisões reiteradas dos tribunais. Decisões isoladas devem ser evitadas.
5 – Se possível, utilizar súmulas vinculantes e/ou não vinculantes.
A primeira coisa a se fazer em uma peça processual é o endereçamento, ou seja, precisamos saber de quem é a competência para analisar aquele fato. Por esse motivo, antes de ajuizar uma ação ou apresentar qualquer peça processual, é necessário que o estudante conheça as regras de competência. As questões da OAB sempre demonstram onde se deu o fato, o que fica claro de atestar a competência.
Após o endereçamento, precisamos realizar um preâmbulo. Nele colocaremos todos os dados das partes. Nunca se deve inventar dados nas peças práticas da OAB, pois isso identifica a sua prova, o que irá desclassificá-lo.
Após o preâmbulo, iniciaremos os fatos, que nada mais são que a história contada pelo examinador.
Após a narrativa dos fatos, iniciaremos os fundamentos jurídicos. É nesse ponto que você demonstra seu conhecimento. Portanto, faça com muita atenção e demonstre para o seu examinador que você conhece o assunto.
Após a fundamentação, é hora de fazer os pedidos. Cuidado! Você só pode pedir o que fundamentou.
Essas são as chamadas dicas de ouro e temos certeza de que com esse roteiro mental será fácil compreender e colocar em prática todos os seus poderes para uma escorreita peça prático-profissional.
Vamos peticionar?
Este caso é de um semestre anterior, já passou, veja na página principal, os casos do semestre atual de todas as disciplinas e faça o pedido da peça pronta, fácil e rápido, para quem não tem tempo de fazer.